Hoje, no Blog do Totonho, conto a história de uma senhora que enfrentou uma luta pra tentar fechar uma conta bancária e falo sobre a necessidade de mais humanização na relação banco-cliente:
"Socorro! Meu dinheiro está preso!"
Essa foi a frase dita pela senhora Margarida, uma idosa que viveu uma verdadeira via crucis para tentar sacar, ou transferir, o saldo de uma conta antiga que possui no Banco Itaú.
D. Margarida, uma senhora de 90 anos, aposentada no serviço público municipal, simpática, ativa e organizada, resolveu organizar suas contas bancárias. Além da conta corrente em que recebe sua aposentadoria, D. Margarida possui uma antiga conta poupança, no Banco Itaú, com um pequeno saldo, resquício de quando nela eram creditados seus pagamentos. E D. Margarida resolveu que fecharia essa conta e transferiria o saldo, que nela ainda restava, para sua conta de movimentação frequente.
Primeiramente, tentou resolver a questão por meio do caixa automático. Mas a máquina respondeu que seu cartão estava sem biometria, e que era necessário que ela se dirigisse ao caixa físico para cadastrar sua biometria. Como naquele dia, uma sexta-feira, o expediente bancário já havia finalizado, deixou para voltar na segunda-feira.
Na segunda, foi novamente ao banco para falar com o atendente. Disse que precisava transferir o saldo da sua conta, mas que a máquina exigiu a biometria, então ela queria cadastrar sua biometria. O atendente pediu para digitar conta e senha, e a primeira resposta: "Seu cartão não foi desbloqueado e, como já fazem mais de seis meses que a senhora o recebeu e não desbloqueou, ele foi cancelado. Irei pedir outro cartão, que chegará em sua residência no prazo de até sete dias úteis".
D. Margarida perguntou: "E como faço para realizar a transferência do saldo? Não tem nenhum outro meio? Tenho uma pendência para saldar e preciso transferir esse dinheiro...". O atendente, prontamente, disse: "Sim, a senhora pode ir com seu documento de identidade a qualquer caixa físico e sacar ou transferir o dinheiro. Mas aqui nessa agência não há mais caixa físico. As duas agências mais próximas daqui são..." e mencionou duas agências em dois bairros próximos.
D. Margarida, como estava acompanhada da filha e do genro que a transportavam de carro, pôde ir até uma das agências mencionadas. Foram para uma agência em que não havia local para parar o carro. Após a luta para resolver a questão de estacionamento (não podiam parar um pouco mais longe, pois para D. Margarida seria uma caminhada muito exaustiva), entraram na agência e foram até o caixa físico.
Após expor novamente sua solicitação, o atendente perguntou, como quem está orientado a dificultar ao máximo a solicitação: "A senhora quer sacar tudo aqui dessa conta?". D. Margarida respondeu: "Sim, fui na minha agência e ele me disse que aqui eu poderia sacar com meu documento de identidade, pois meu cartão ainda será enviado pra minha residência".
O atendente digita, olha o cartão cancelado, digita mais um pouco e, finalmente, informa que não poderá ser realizada a solicitação, pois há um limite diário de saque e o valor que estava na conta superava tal limite. Disse, ainda, que, se fosse para transferir para outra conta do Banco Itaú, ela poderia tranquilamente transferir todo o saldo, mas, como era para outro banco, não poderia. Teria que respeitar o limite.
D. Margarida ficou a pensar em alguma outra ideia, quando sua filha disse: "temos a conta do Hélio! A conta dele também é do Itaú!", referindo-se à conta do genro de D. Margarida. Hélio prontamente concordou, autorizou o uso de sua conta e disse que, assim que entrasse o valor, ele transferiria para D. Margarida.
O atendente então saiu do caixa e foi consultar sua superior. Voltou com mais uma condição, a mais esdrúxula das que haviam ouvido até então: "essa conta do senhor Hélio só pode receber uma parcela X por dia. E o saldo, para ser todo transferido, precisará de três dias, portanto vocês deverão vir aqui durante três dias para realizar a transferência de todo o saldo".
D. Margarida, sua filha e seu genro entreolharam-se surpresos, pois nunca haviam ouvido falar que uma conta bancária tem limite para receber depósito!
Por que tanta dificuldade para encerrar uma conta simples e com um saldo módico como a de D. Margarida? Com certeza, se ela fosse uma cliente vip, com saldo pomposo, já teriam resolvido a questão!
Concluindo o que já imaginavam que aconteceria, ou seja, percebendo que o banco faria de tudo e inventaria mais e mais obstáculos para dificultar o fechamento da conta, decidiram ir embora e aguardar a chegada do novo cartão para, então, irem na agência original e iniciarem nova luta. D. Margarida resolveu que, quando chegasse o novo cartão, iriam na agência para desbloqueá-lo e, a partir daí, ela usaria o saldo, pouco a pouco, para suas despesas, portanto desistiria da transferência total e do fechamento da conta. Essa sua decisão certamente era a mais agradável aos interesses do banco.
Fica a reflexão: D. Margarida ainda tinha quem a levasse ao banco com transporte próprio, em segurança e com tranquilidade. E quem não tem facilidade de transporte, quanta despesa teria para se transportar e tentar sacar um saldo próprio? Quantos empecilhos teria para realizar algo que lhe seria direito legítimo enquanto uma pessoa proprietária de conta bancária?
Hoje temos muita tecnologia mas, infelizmente, o sistema financeiro usa a tecnologia para gerar ainda mais controle sobre o processo e dificultar toda ação de direito do cliente que possa representar qualquer valor a menos de lucro para o banco. Falta humanização. O sistema bancário instrui seus atendentes para dificultar ao máximo as ações que representem qualquer diminuição no volume de recursos administrados pelo banco. Simplesmente não se importam com humanização, e muito menos se importam em facilitar os procedimentos para os idosos.
Para não esticar muito essa história, nem contei sobre o estacionamento! Mais uma vez, o sistema bancário não se importa se possui ou não clientes com dificuldades de locomoção ou clientes idosos. Ambas as agências onde esteve D. Margarida possuem área de estacionamento, porém fechadas, em funcionamento apenas para funcionários do banco. Na frente da segunda agência, há um ponto de ônibus, ou seja, é proibido estacionar. Por isso, o estacionamento foi uma outra luta, mas não entrarei em detalhes aqui porque seria material para outra história e outro texto.
Mas fica a reflexão e a constatação da realidade fria e sem a menor empatia dos empreendimentos bancários. O foco não é a resolução do problema do cliente, mas sim mantê-lo, quase que à força, como cliente. Nem se importam com sua necessidade.
Experimente solicitar, em qualquer banco, um encerramento de conta, ou ainda, uma portabilidade de salário, e serão colocados os impedimentos mais estapafúrdios para dificultar sua ação. Eu mesma tive a experiência de, por um dia inteiro, tentar obter a portabilidade de proventos do Bradesco para outro banco, e só consegui por meio de registro de ocorrência no Banco Central.
Se isso está assim agora, imaginem no futuro, quando, certamente, a tecnologia permitirá um controle ainda maior sobre os procedimentos, não um controle para garantir total lisura ao sistema, mas sim para priorizar ainda mais os interesses daqueles que detêm o poder financeiro.
Luciana G. Rugani
Pensadora, escritora e poeta
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