Em meu artigo de hoje, no Blog do Totonho, apresento mais uma fábula que fiz sobre Florêncio, aquela simpática gaivota sobre a qual já falei aqui no blog.
Tivemos um diálogo muito bacana nas areias da Praia das Dunas e, conforme me foi solicitado por ela, divulgo pra vocês algumas de suas recomendações:
Há alguns dias, reencontrei Florêncio na Praia das Dunas*. Já falei sobre ele aqui, ele é uma linda gaivota-macho que adorava interagir com humanos.
Como eu falei antes, hoje Florêncio não fica mais tanto tempo fazendo suas peripécias junto aos humanos. Ele fica menos tempo, pois precisa dividir as horas com a assistência ao filho que nasceu com problemas devido à má alimentação da mãe, a gaivota Matrícia, que, assim como Florêncio, gostava muito de comer alimentos inadequados ofertados pelos humanos na areia das praias. Florêncio aprendeu muito com sua história de vida, e hoje possui uma maturidade e sabedoria apurada em consequência de sua experiência de vida. Mas ele não deixa de realizar seus voos diários e de passar pela areia da praia, conversando com um ou com outro, inclusive com seres humanos. Os humanos, na grande maioria, não costumam dar muita atenção às falas de Florêncio. Ele percebe e, justamente por isso, costuma deixar a conversa fluir apenas com os poucos que lhe parecem mais interessados no "ambiente gaivoteano".
E eu não imaginava que, naquela manhã, seria eu a interlocutora de uma conversa com Florêncio! Ele chegou, pousou na areia, rodeou a cadeira em que eu estava e começou a conversa com um "oi, bom dia!" Eu respondi e ele se identificou. Disse que precisava muito de um humano para divulgar a sua fala.
Florêncio não joga conversa fora. É verdade que ele contou algumas fofocas e histórias engraçadas sobre suas vizinhas gaivotas, porém sua fala se concentrou em importantes recomendações.
Ele disse: "Há alguns pontos importantes que preciso que você leve até os outros humanos e espalhe por aí". E continuou sua fala elencando os alertas:
"É preciso que saibam que a diminuição, a cada dia, dos espaços de vegetação da restinga, inclusive nas partes mais altas dos morros, em razão do desmatamento, das queimadas e das tantas construções que andam fazendo, está destruindo a flora nativa, o ambiente favorável e protegido que tínhamos para fazer nossos ninhos. Isso certamente fará com que tenhamos que migrar para ambientes urbanos, o que já vem acontecendo com nossa espécie lá na Europa. Se isso acontecer, teremos que disputar espaço e alimento em áreas urbanas, e será questão de tempo para que os humanos declarem que nós é que somos o problema e queiram nos eliminar.
Outro fato triste e importante para alertar: há poucos dias, nossa amiga e vizinha, a gaivota Manilda, morreu em consequência de ter se alimentado de plástico, esses resíduos plásticos de pratinhos, copos, e outros materiais com gosto e cheiro de peixe e camarão, que vocês largam na areia das praias após se alimentarem. Ela, assim como as demais gaivotas, têm o hábito de procurar alimentos na areia quando vocês vão embora, e ficam furando saquinhos de lixo que são largados ali, buscando alimento nos materiais descartados, e, nessa busca, acabam engolindo muita porcaria que só nos faz mal. Manilda engoliu um pedaço de plástico que acabou obstruindo seu intestino, vindo a falecer. Diga aos humanos para levarem o lixo que produzem para a lixeira mais próxima. O que não é do ambiente marinho não deve permanecer na areia, isso tem feito muito mal para nossa espécie.
Mais uma triste história que aconteceu com as gaivotas Alécia e Ilíade: ambas tiveram uma patinha decepada por restos de linha que são deixadas na areia ou que são largadas nas ruas e trazidas pelo vento. Esse problema acontece também com os pombos, então falo em nome das gaivotas, mas também de outras aves. Tomem consciência, por favor, observem ao redor, observem nossa rotina ao menos por alguns minutos, e talvez despertarão para a realidade de que seus hábitos precisam ser reciclados. Não deixem mais o rastro imundo da passagem de vocês pela areia e pelas ruas. Aprendam a conviver harmonicamente conosco e com os demais seres da natureza".
Eu ouvia e anotava tudo, não queria perder uma só vírgula da oportunidade única desse diálogo.
Florêncio prosseguiu:
"Você já conhece minha triste história e o que passei por não ouvir os sábios conselhos de meu irmão Gardênio. Eu errei muito em interagir tanto com os humanos e aceitar as guloseimas que me ofereciam. Mas aprendi com isso e hoje tento educar os filhotes de nossa espécie para que não repitam o meu erro, porém sei o quanto é difícil para eles não se renderem às saborosas batatas fritas e outros quitutes. Entretanto, quero hoje pedir a vocês, humanos: não nos ofereçam esses alimentos. Não são alimentos adequados para nossa nutrição. Isso nos traz problemas sérios, como os que tive com minha ninhada. Além disso, esse hábito nos torna mais próximos de vocês, e isso, naturalmente, faz com que as gaivotas sintam que precisam disputar com vocês o mesmo alimento. Com o tempo, começarão a pousar em suas mesas e, quem sabe, poderão até mesmo atacar alguns de vocês na disputa pelo alimento. Por favor, somos aves livres, animais silvestres, e assim devemos permanecer em nosso ambiente natural, protegidas e saudáveis. Ah, e não somos troféu ou objeto de exposição para vocês exibirem nas redes sociais, como fez um tal 'influencer' com uma gaivota que voava conosco dias atrás. Somos seres livres, naturais, e como tal devemos ser respeitados".
Percebendo que eu anotava tudo de maneira bem detalhada, ele finalizou:
"Por fim, espero que vocês, humanos, despertem enquanto é tempo. Deixem de viver no modo automático e passem a observar mais o ritmo da natureza, nossas ações e reações, eduquem-se e busquem respeitá-la para que vocês sejam capazes de se sintonizarem com as energias benfazejas que ela oferece".
Agradeci a Florêncio pela rara oportunidade. Nos despedimos dizendo um mútuo "até breve". Guardei minhas anotações e ele levantou voo alto em direção ao mar azul, cujas ondas, naquele eterno ir e vir, pareciam reafirmar as recomendações da gaivota.
*Praia das Dunas é extensão da Praia do Forte, em Cabo Frio (RJ).
Luciana G. Rugani
Pensadora, escritora e poeta
Muito bom o encontro de vocês minha amiga. Diga a Florêncio que aqui em BH não tem mar ,mas seguimos suas orientações
ResponderExcluirQue conversa salutar, amiga! É preciso muito tocar neste assunto e você o faz com mta excelência e suavidade. Conversar com uma gaivota foi fantástico! E você é fantástica, seus textos são maravilhosos e bem-vindos! Parabéns! 👏👏👏❤️🙌🥰⭐️🌹
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