Hoje, no Blog do Totonho, um ensaio sobre o medo como ferramenta de controle:
Falar sobre o medo como ferramenta de controle naturalmente nos remete à ideia de sociedades reguladas pela imposição da força e pela fragilidade institucional. Governos autoritários e ditaduras costumam governar utilizando a disseminação do medo. Aliás, disseminar a sensação de caos social, do qual o medo é parcela significativa, é a estratégia predominante para que governos autoritários cheguem ao poder. O professor Castro Rocha, historiador, professor titular de Literatura Comparada na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ, tornou-se especialista e estudioso das estratégias de poder da extrema direita. Ele é o autor da aula magna "A semente do caos", na qual aborda, com muita clareza e didática, as relações causais e circunstanciais de elementos presentes na "cartilha" autoritária, e o medo é um desses elementos. (*)
Outro fator agravante é quando há carência de direitos sociais em uma sociedade. Quanto mais uma sociedade é desprovida de respeito aos direitos sociais, mais se abre espaço para domínio pelo medo, e isso é muito evidente em relações de trabalho precarizadas, em que o trabalhador costuma ficar nas mãos do empregador. Uma sociedade que precariza a relação de trabalho e não investe no incentivo ao emprego acaba tendo grande número de trabalhadores que, por medo de não encontrarem oportunidades, acabam ficando nas mãos de exploradores da força de trabalho. Isso acontece com muita frequência em cidades pequenas, com pouca infraestrutura, cujos governantes têm a máquina como principal empregadora para, por meio dela e da ameaça de desemprego, controlar até mesmo a opção política de funcionários. Inclusive, em muitos lugarejos, relações de trabalho acabam se igualando a trabalho escravo, em que predomina o medo de não ter como sobreviver.
Outro contexto bem atual em que o medo se faz presente como meio de controle é nas comunidades dominadas por facções do crime organizado. Nesses locais, moradores têm suas rotinas moldadas diariamente pelo medo por meio de regras impostas pelo "chefe" local, inclusive em questões corriqueiras, como proibição do uso de certas cores de roupas e até mesmo proibição de certas palavras do linguajar comum atribuídas a facções rivais.
Quanto menos democrática é uma sociedade e quanto menor for o respeito aos direitos sociais, maior é o império do medo. Em uma sociedade democrática, em que as instituições são fortalecidas dentro de suas competências legais e os direitos sociais são pilares a serem respeitados, consequentemente há mais respeito nas relações e menos subjugação de trabalhadores ou de minorias mais vulneráveis. Os cidadãos podem contar com as instituições competentes para fazer valer seus direitos, portanto há mais liberdade e mais espaço para cultivar cidadania.
Para concluir, e analisando a questão de maneira bem ampla, acredito que, em toda e qualquer relação em que o respeito é ignorado e deixado de lado, o medo aflora. Toda relação, inclusive relações humanas, conjugais, etc. E isso acontece porque o desrespeito, de qualquer espécie e em qualquer relação, abre espaço ao uso da violência, ao domínio pela força, e, consequentemente, ao império do medo.
(*) O medo como ferramenta de controle é muito utilizado por governos autoritários e por governos de extrema direita. Ao referir-me apenas à extrema direita e a governos autoritários, sigo o entendimento dos cientistas políticos que explicam que, considerando o conceito original dos termos "direita" e "esquerda", não existe a "extrema esquerda", pela seguinte razão: como o sentido original de "esquerda" corresponde ao predomínio de ideais progressistas e de respeito aos direitos individuais e sociais, o extremo disso seria uma utopia! No decorrer da história, foi-se afastando do sentido original do termo, o que provocou entendimentos equivocados como o de que, por exemplo, o governo autoritário russo seria uma "ditadura de esquerda", o que não é verdade. O simples fato de ser um governo autoritário já impede de tratá-lo como de "esquerda", pois o autoritarismo fere a essência do sentido original do termo.
Luciana G. Rugani
Pensadora, escritora e poeta
Comentários
Postar um comentário